Projeto de Lei discute a regulação da Locação por Temporada
- jal
- 14 de mar.
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REGULAÇÃO DE LOCAÇÃO POR TEMPORADA ATRAVÉS DE LEI MUNICIPAL – ASPECTOS LEGAIS E PRÁTICOS DO PROJETO DE LEI 107/2025 NO ÂMBITO DO RIO DE JANEIRO
Marcio Bruno Milech – Advogado
Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ
LLM Environmental LAW – Pace University, 2007 - NY
Foi apresentado na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro o PL 107/2025, de autoria do Vereador Salvino Oliveira (PSD) que dispões sobre “A REGULAMENTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO E HOSPEDAGENS DE TEMPORADA OU CURTA DURAÇÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS” .
Ainda em debate nas comissões, e sem previsão de votação em plenário, o projeto teve como justificativa para sua apresentação:
”A regulamentação dos serviços de intermediação e hospedagem de temporada em âmbito municipal é essencial para equilibrar interesses econômicos, sociais e urbanos. Sem regras claras, o crescimento desordenado dessas atividades pode encarecer moradias, prejudicar moradores locais e gerar concorrência desleal com o setor hoteleiro, que já cumpre obrigações fiscais e sanitárias. Além disso, a regulamentação permite o controle da qualidade dos serviços, a segurança dos hóspedes e a arrecadação de tributos para investimentos na infraestrutura da cidade. Assim, normas municipais bem definidas garantem um turismo sustentável e harmonizam o uso dos espaços urbanos.“
O presente artigo se propõe a enriquecer o debate do tema sempre polêmico de locação por temporada sob o ponto de vista jurídico e com breve considerações a respeito de eventual conveniência e oportunidade de edição de lei municipal a respeito do assunto.
A Constituição Federal de 1988 procurou assegurar autonomia legislativa aos Municípios, sempre nos termos previstos no Art. 23 , estabelecendo possibilidade e legislação comum de determinados assuntos à União, Estados e Municípios , e outras de interesse local ou suplementar à legislação federal, conforme Art. 30 , I e II da própria Lei Magna.
À União Federal , a Constituição de 1988 estabeleceu competência PRIVATIVA de legislar sobre direito civil , sendo que, nesse ponto, é que o presente trabalho será objeto de maior concentração.
O PL 107/2025 propõe em seu Art. 2º o seguinte:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se hospedagem, ocupação ou locação de curta temporada, o aluguel de imóveis residenciais para períodos de no mínimo três dias e máximo de noventa dias. Parágrafo único. É vedada a hospedagem, ocupação ou locação de curta temporada, através de plataformas digitais, de unidade habitacional em empreendimento multifamiliar residencial, localizado na Praia do Flamengo, Praia de Botafogo, Avenida Atlântica, Avenida Vieira Souto, Avenida Francisco Otaviano, Avenida Delfim Moreira e Avenida Prefeito Mendes de Morais.
Parece-nos, de modo claro, que o ´caput´ do Art. 2º do PL 107/2025 avança na competência legislativa PRIVATIVA da União em termos de direito civil ( Art. 22 , I da CRFB), na medida em que colide com o que a Lei Federal 8245/91 ( Lei do Inquilinato) estabeleceu como definição de locação por temporada em seu Art. 48, senão vejamos:
Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel. (grifo nosso)
Com uma comparação superficial dos dispositivos do PL 107/2025 e da Lei 8245/91 verifica-se que há uma modificação por lei municipal de disposição de lei federal, invadindo competência legislativa PRIVATIVA da União, o que atrairia vício de inconstitucionalidade do PL 107/205 .
Ainda no campo de eventuais vícios de constitucionalidade do PL 107/2025, chama a atenção o seu Art. 3º, que enuncia:
Art. 3º: Para a exploração econômica da hospedagem, ocupação ou locação de curta temporada, o proprietário do imóvel deverá atender as seguintes condições: I – inscrição como prestador de serviço turístico no cadastro do Ministério do Turismo - CADASTUR; II – inscrição do proprietário e do imóvel na Prefeitura; III – possuir Alvará de Licença para Estabelecimento; IV – possuir Licença Sanitária de Funcionamento; V – possuir Certidão Negativa de Débitos da Fazenda Municipal e da Procuradoria Geral da Dívida Ativa do Município do Rio de Janeiro, relativos ao imóvel e ao proprietário do imóvel; VI – apresentar declaração do síndico, por meio de assinatura eletrônica qualificada, com validade de um ano a contar da sua emissão, informando que o condomínio autoriza a hospedagem, ocupação ou locação de curta temporada, juntamente com a cópia autenticada da convenção do condomínio, devidamente averbada no Cartório de Registro de Imóveis. VII – declaração do proprietário, por meio de assinatura eletrônica qualificada, informando a quantidade de hóspedes permitidos no imóvel.
Na mesma toada, o artigo em referência padece de iguais vícios de inconstitucionalidade, na medida em que interfere em forma de exercício de direito de propriedade (direito civil), reservado à matéria de legislação federal PRIVATIVAMENTE( Art. 22, I da CRFB) .
O PL 107/2025 busca avançar em tema referente à proteção de dados em seu Art. 4º, sendo este assunto PRIVATIVAMENTE reservado à legislação federal, conforme Art. 22, XXX da Constituição Federal:
Art. 4º: Os proprietários são obrigados a manter por no mínimo noventa dias, a contar do fim da hospedagem, base de dados digital de cada hospede com as seguintes informações: I - documento de identificação civil ou passaporte; II - foto ou biometria facial; III – número de inscrição no cadastro de pessoas físicas, se exigível; IV - número de telefone e endereço de correio eletrônico; V - endereço residencial. Parágrafo único. É obrigatório aos proprietários realizar o tratamento dos dados pessoais da base de dados e deixar à disposição do condomínio para fins de identificação dos hóspedes e segurança de toda coletividade.
Nos restringimos acima ao quanto consideramos que o PL 107/2025 padeceria de possíveis vícios de inconstitucionalidade FORMAL, passando a seguir a demonstrar potenciais conflitos MATERIAIS do projeto em questão.
Chama a atenção no PL 107/2025 a identificação específica de localidades pelas quais o projeto visa PROIBIR a locação por temporada, todas predominantemente situadas em regiões turísticas ou extremamente valorizadas na cidade, tais como as faixas litorâneas dos bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon.
Ao pretender estabelecer restrições geográficas no exercício de locação por temporada, parece-nos que o PL 107/2025 criação distinção injustificada no espaço da cidade, estabelecendo zoneamento de atividades sem qualquer base ou justificativa, evidenciando-se que mesmo quanto ao mérito do projeto, por conta de sua distinção imotivada, atrairia vício de inconstitucionalidade MATERIAL, quebrando a necessária ISONOMIA e IGUALDADE estabelecida na Constituição Federal entre todos os cidadãos nacionais ou estrangeiros no destino que melhor desejam aos seus bens, cerceando indevidamente, apenas pelo local aonde se situa o imóvel, o pleno exercício do direito de dispor do bem.
Tal intento nos parece ferir a regra do Art. 5º, da Constituição que enuncia:
”Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
A matéria de locação por temporada tem sido objeto de debate intenso no âmbito dos condomínios e em ações judiciais a respeito, e , como não poderia deixar de ser, agora chega em bom momento ao Legislativo Municipal do Rio de Janeiro.
O debate a respeito é extremamente saudável e deve levar em conta os interesses de todos os envolvidos, desde plataformas de hospedagem, proprietários, moradores, administradores profissionais de unidades imobiliárias, associações profissionais de classe, setor hoteleiro, e o próprio Poder Público, seja o legislativo, seja o executivo.
A cidade do Rio de Janeiro tem vocação turística e no ano de 2025 confirmou esse perfil com número recorde de visitantes, sendo a atividade de hospedagem peça fundamental no êxito deste empreendimento que impacta milhares de pessoas.
Regular em excesso ou escassez não parece ser a melhor opção, merecendo um tema de tamanha importância ser orientado por uma discussão ampla e que, antes de restringir, deve continuar desenvolvendo e ampliando o maior número de opções de hospedagem para que os visitantes possam conhecer e aproveitar o Rio com segurança, tranquilidade e aqui retornem num circulo virtuoso em benefício de todos.
Os proprietários e os administradores de unidades para locação por temporada geram empregos, recolhem impostos e com todos eles o Rio de Janeiro continuará sempre lindo.